Vimos, então, que na mente humana a verdade se forma pelo processo de afirmar ou negar alguma coisa do objeto do conhecimento, e isto se dá pela construção de sentenças nas quais o sujeito se une ao predicado de modo afirmativo ou negativo; por este meio, aquela primeira apreensão é testada, e o intelecto pode chegar à verdade sobre o objeto do conhecimento. Este processo é chamado de “compor e dividir” pela filosofia clássica e pela Escolástica.

No mesmo sentido, o processo de julgar, isto é, de compor e dividir, completa-se pelo processo de raciocinar, que é o de caminhar daquilo que se sabe para aquilo que não se sabe.

No artigo anterior, vimos que os anjos não precisam raciocinar, porque seu conhecimento sobre um objeto sempre envolve reconhecer, num só olhar, todas as consequências que aquele conhecimento envolve. Havendo recebido de Deus as species com as quais conhece o mundo, os anjos não precisam raciocinar, porque não precisam adquirir novos conhecimentos sobre o mundo natural que, porventura, não tivessem, através de algum tipo de raciocínio.

É nesta linha que Tomás começa sua resposta sintetizadora. Quando raciocinamos, a conclusão decorre do princípio, num processo que parte deste para chegar naquele. Ou seja, trata-se de uma conclusão que se liga ao princípio.

Quando julgamos, ou seja, quando “compomos e dividimos”, é o predicado que se liga ao sujeito, para afirmar ou negar alguma coisa do objeto de conhecimento. Assim, quando afirmamos que “os cães não miam”, estamos estabelecendo uma divisão, uma separação entre a noção de “cão” e a noção de “miado”. Por outro lado, se dizemos que “os cães latem”, fazemos uma composição verdadeira entre cães e latidos.

Ora, se nosso intelecto pudesse ver, no princípio, todas as conclusões que dele decorrem, ele não precisaria raciocinar. Se, ao conhecer os cães, intuíssemos com um só olhar que eles são animais, e portanto, estão sujeitos à morte, não precisaríamos raciocinar assim: “Os cães são animais; animais estão sujeitos à morte; logo, os cães morrem”. Raciocinar é próprio de uma inteligência parca, fraca, processual, incapaz de lidar com o conhecimento em toda a sua abrangência por um só e mesmo ato, como é a nossa.

Do mesmo modo, se nosso intelecto não precisasse assimilar seu conhecimento a partir do exame do objeto, mas recebesse diretamente de Deus este conhecimento (de maneira que todos os aspectos que fossem predicáveis deste objeto, quer para afirmar, quer para negar, tivessem sido recebidos de Deus de tal modo que, de um olhar, fôssemos capazes de contemplar tudo o que a coisa é ou não é), não precisaríamos passar pelo processo de compor e dividir para atingir a verdade do nosso conhecimento. É assim com os anjos: o seu conhecimento é recebido de Deus, que é a própria medida da verdade, e não precisa medir-se com as coisas para ser verdadeiro.

Esta conclusão é muito interessante, porque ensina muito sobre a própria maneira pela qual os seres humanos conhecem, e atingem a verdade. Não somos anjos. Temos um caminho próprio para atingir a verdade natural, muito diferente dos anjos. A nossa relação com Deus, na via do conhecimento natural, é indireta: pela verdade do conhecimento que adquirimos com as coisas, chegamos a uma comunhão com a verdade que está originalmente na mente de Deus. Os anjos, pela comunhão com Deus, recebem dele a verdade das coisas, que podem então contemplar num único olhar intelectual.

Mas atenção: não é pelo fato de que os anjos não precisam de julgamento e raciocínio para atingir a verdade e as conclusões que estamos autorizados a concluir que os anjos não sabem nada sobre julgamentos e raciocínios. Ele compreende perfeitamente os enunciados verdadeiros e falsos, bem como os silogismos e raciocínios e suas conclusões, e o faz de um modo mais perfeito, porque já conhece de antemão as respostas – já que seu intelecto não é processual.

Colocados os elementos da resposta, São Tomás passa a revisitar os argumentos objetores iniciais.

O primeiro argumento diz que, se o intelecto conhece coisas múltiplas por múltiplas razões, então ele intelige de modo múltiplo, e portanto composto. Ora, prossegue o argumento, o intelecto angelical intelige a multidão das coisas, por múltiplas razões, já que possui múltiplas species capazes de fazê-lo conhecer tudo o que existe naturalmente. Assim, o argumento conclui que o anjo julga, compondo e dividindo, a fim de alcançar a verdade das coisas no seu processo de conhecimento.

Mas não é o simples fato de conhecer a multiplicidade das coisas por meio de uma multiplicidade de species que faz concluir que o conhecimento dos anjos é processual, composto, e que ele precisa do processo de julgamento, do ir e voltar às coisas para estabelecer a verdade ou a falsidade de julgamentos que elaborasse. O anjo recebe a verdade das coisas naturais diretamente de Deus, ao ser criado, e, ao inteligir, conhece a um só tempo que a coisa é (ou, como diz Tomás, intelige a sua quididade) e tudo o que ela verdadeiramente é, em todos os seus aspectos, sem necessidade de processos de julgamento de verdade e falsidade posteriores. Ele não precisa, portanto, do processo de compor e dividir para chegar à verdade das coisas. A inteligência humana, sendo processual, é que só consegue alcançar a verdade por este processo.

O segundo argumento parece misturar o plano lógico com o plano ontológico, ou seja, o plano do discurso sobre o conhecimento, que é a lógica, com o plano das próprias coisas conhecidas. Tomemos duas sentenças lógicas, uma verdadeira e uma falsa, propõe o argumento. Elas são opostas, e portanto estão no ponto de maior distância. A verdade e a falsidade distingue de modo extremo duas sentenças opostas. Agora tomemos duas coisas opostas, digamos, uma coisa branca e uma preta. O que as distingue é apenas um acidente de cor, não uma oposição essencial como no caso das duas sentenças lógicas opostas. Mas, no caso da coisa preta e da coisa branca, o simples fato de serem distintas entre si por um acidente leva à necessidade de que elas sejam conhecidas pelos anjos por meio de species distintas. Logo, no caso das duas sentenças opostas, que se distinguem muito mais radicalmente do que as duas coisas com cores opostas, o anjo precisaria, com muito mais necessidade, diz o argumento, de duas species distintas para conhecer cada uma das sentenças opostas, através da experimentação de cada uma delas, uma por vez. Portanto, ele precisaria de um processo de julgamento para chegar à verdade ou à falsidade de cada uma das sentenças, o que é descrito exatamente, diz o argumento, pela expressão compor e dividir. Assim, o argumento conclui que a inteligência do anjo precisa do processo de compor e dividir para atingir a verdade do seu conhecimento.

É verdade que as coisas, mesmo aquelas aparentemente opostas, são muito menos distintas umas das outras do que a verdade ou a falsidade das sentenças diferem entre si. A oposição lógica é muito mais radical do que qualquer diferença ontológica que as coisas naturais possam apresentar. Mas não se pode passar, daí, a uma conclusão sobre o próprio modo de conhecer dos anjos. Porque, de fato, no plano lógico, a oposição entre o verdadeiro e o falso não constituem duas coisas distintas, mas dois lados de uma mesma realidade: no mesmo instante em que conheço a verdade de uma afirmação, e pelo mesmo motivo que me leva a saber que ela é verdadeira, a minha inteligência exclui a possibilidade de que ela seja falsa; do mesmo modo, quando eu descubro que uma sentença é falsa, a minha inteligência, no mesmo instante e pela mesma razão, exclui dela a possibilidade de que seja verdadeira. Assim, o anjo não precisa de um processo, nem de duas species distintas, para conhecer a verdade e a falsidade de uma sentença. O argumento não se sustenta, conclui Tomás.

Por fim, o terceiro argumento lembra que os anjos têm uma inteligência mais elevada do que os humanos, e podem comunicar-se conosco, inclusive proferindo sentenças positivas e negativas com valor de julgamento sobre a realidade. Assim, o argumento conclui que os anjos usam o processo de compor e dividir para atingir a verdade.

Sim, os anjos podem usar as sentenças com valor afirmativo e negativo em seu processo de comunicação. Eles conhecem o processo humano de compor e dividir, e podem usá-lo na sua comunicação conosco. Mas isto não significa que eles precisem deste processo para que eles mesmos atinjam a verdade; no entanto, podem usá-lo para ajudar (ou atrapalhar) os seres humanos neste mesmo caminho.