Em algumas questões desta primeira parte, a Suma discute a questão da verdade, e esta é, sem dúvida, uma questão importantíssima. De fato, como já sabemos, a verdade, como transcendental do ser, está sempre num intelecto. Isto quer dizer que a verdade está no intelecto de Deus em primeiro lugar, porque Deus inteligiu todas as coisas antes mesmo de criá-las. Assim, é o intelecto divino que mede a verdade das coisas.

As coisas podem ser, por analogia, chamadas de “verdadeiras” ou “falsas” conforme estejam adequadas ao que Deus pensou sobre elas. Assim, se são capazes de provocar o erro nos intelectos criaturais que as apreende, as coisas podem dizer-se falsas. É assim que a pirita, que é um minério dourado, pode induzir o intelecto humano a acreditar que ali há ouro. Mas não há; a pirita não é ouro. Assim, chamamos a pirita de “ouro falso” por analogia, já que pode levar um intelecto humano ao erro ao conhecê-la.

Isto nos leva à noção de que o intelecto humano chega à verdade por meio da aprendizagem: nós percebemos as coisas e assimilamos sua essência, num primeiro movimento de inteligência chamado de “simples apreensão”. Mas é no segundo momento, quando formamos juízos sobre as coisas, verdadeiras hipóteses que são confirmadas ou negadas pelo exame empírico daquilo que é objeto do conhecimento, que a questão da verdade aparece. Examinando a pirita, por exemplo, podemos, num primeiro momento, apreendê-la como um metal brilhante e dourado. No segundo momento, formamos hipóteses afirmativas e negativas, que vamos testar empiricamente: tem a cor de ouro? Tem a maleabilidade do ouro? Tem a incorruptibilidade do ouro? Respondidos estes juízos afirmativa ou negativamente, saberemos se ali há ouro verdadeiro ou não.

A este processo de afirmar ou negar características do objeto de conhecimento, de modo a chegar à verdade sobre ele, os clássicos, assim como os escolásticos, chamavam de “compor e dividir”. Compor seria somar características que a coisa tem, afirmando algo sobre ela que é verdadeiro. Dividir seria excluir dela características que ela não tem, de modo a evitar falsidades sobre ela. Formar juízos, ou seja, compor e dividir, seria, portanto, atribuir ou negar predicados àquela coisa que, sendo sujeito dos juízos, está em processo de ser conhecida. Ora, esta atividade é própria de um intelecto que, sendo tabula rasa, precisa do conhecimento extraído das coisas para alcançar a verdade. A mente divina, portanto, não divide nem compõe, porque ela é causa da verdade das coisas. A nossa mente humana recebe a verdade como causada em nós pelo processo de aprendizagem, e portanto precisa compor e dividir, para alcançar a verdade.

A hipótese controvertida, aqui, é a de que a mente angélica, como a nossa, também depende do processo de compor e dividir para chegar à verdade. São três os argumentos objetores iniciais, no sentido desta hipótese.

O primeiro argumento afirma que há um princípio de conhecimento que assegura que ali onde há uma pluralidade de coisas a serem conhecidas por um intelecto, há um conhecimento que se dá de forma composta. Ora, prossegue o argumento, a inteligência dos anjos conhece uma pluralidade de coisas, e o faz através de uma pluralidade de species, ou seja, eles inteligem coisas diversas sob razões diversas, e não simultaneamente, como já vimos em debates anteriores. O conhecimento dos anjos, conclui, é, portanto, composto, e isto prova, para o argumento, que os anjos chegam à verdade das coisas por um processo de dividir e compor, como nós.

O segundo argumento passa do plano da realidade ao plano da lógica, sobrepondo-os. Uma afirmação e uma negação são mais diversas entre si do que quaisquer duas naturezas existentes no mundo factual. Imaginemos uma coisa preta e uma coisa branca: elas são menos diversas entre si do que uma oração afirmativa é diversa de uma afirmação negativa elaborada sobre o mesmo aspecto da realidade. Ora, prossegue o argumento, o anjo precisa de uma species do preto e uma species do branco para conhecer estas coisas diversas. Logo, ele precisará de uma species da afirmação e uma species da negação, para saber em que medida são verdadeiras ou falsas. Mas isto significa que ele terá que explorar o verdadeiro e o falso, para chegar a conhecê-los como tais, porque precisará formar a species do verdadeiro e do falso de modo diverso entre si; logo, o anjo precisará compor e dividir para atingir a verdade do conhecimento.

Por fim, o terceiro argumento lembra que os anjos são capazes de usar a linguagem humana, e de entretecer diálogos conosco. A linguagem articulada, diz o argumento, é um sinal inequívoco de inteligência; mas, se os anjos expressam sentenças, em sua linguagem, que têm a marca da composição e da divisão, isto é, sentenças com sujeito e predicado, afirmativas ou negativas, e, com esta linguagem, exprimem sua própria inteligência, podemos concluir, diz o argumento, que a inteligência dos anjos chega à verdade do conhecimento através do processo de composição e divisão.

O argumento sed contra cita o Pseudo-Dionísio, que, falando da intelecção dos anjos, afirma que o poder intelectivo dos anjos brilha com a luminosa simplicidade da visão intelectual divina. O que isto quer dizer? Ora, se Deus não precisa construir sentenças e testar sua adequação, de modo a afirmar e negar algo sobre o objeto de conhecimento, a fim de chegar à verdade sobre eles, ou seja, se Deus não chega à verdade por algum processo de composição e divisão, mas simplesmente sabe verdadeiramente, também o conhecimento angélico não precisa passar pelo processo de composição e divisão para estabelecer a verdade do seu conhecimento: os anjos simplesmente sabem, e sabem que seu conhecimento é verdadeiro. Não precisam construir hipóteses e testá-las para alcançar a verdade.

Colocados, pois, os termos do debate, veremos a resposta sintetizadora de São Tomás no próximo texto.