A lógica, na sua forma aristotélico-tomista, consiste no discurso do conhecimento. A lógica é a comunicação do conhecimento, e é pela lógica que somos capazes de tirar todas as consequências daquilo que conhecemos. É pela lógica que, percorrendo os caminhos da dedução e da indução, podemos chegar a novos conhecimentos a partir do conhecimento que já adquirimos. Assim, o conhecimento humano é naturalmente discursivo, isto é, precisamos percorrer o caminho da linguagem para alcançar todas as consequências de um conhecimento. Se vejo um cão, posso perceber que ele é um animal; ora, animais são mortais. E por isto concluo que o cão é mortal. E assim meu conhecimento retira todas as consequências de seu objeto.

O presente artigo, porém, quer debater se o modo de conhecimento dos anjos também envolve o discurso, os caminhos da lógica, para atingir suas consequências. Ou se o anjo, ao conhecer, já vislumbra todas as consequências e todas as implicações do que conhece, no mesmo ato. Em suma, será que o conhecimento dos anjos é discursivo ou intuitivo?

A hipótese controvertida, para provocar o debate, é a de que os anjos também precisam raciocinar, percorrer o caminho da lógica e da linguagem, partir dos princípios às conclusões, para chegar a extrair todas as consequências daquilo que conhecem. São três, aqui, os argumentos objetores, no sentido desta hipótese inicial.

O primeiro diz que o conhecimento discursivo consiste em estabelecer raciocínios que levem a conhecer uma coisa por meio de outra. Ora, diz o argumento, quando os anjos alcançam a visão beatífica, elas conhecem tudo por meio do Verbo. Logo, conhecem uma coisa por meio de outra, ou seja, raciocinam discursivamente. E disso o argumento conclui que os anjos precisam raciocinar, ou seja, precisam do conhecimento discursivo para extrair todas as consequências daquilo que sabem.

O segundo argumento parte da ideia de que os anjos possuem um intelecto muito mais poderoso do que o intelecto humano. Ora, diz o argumento, os humanos são capazes de raciocinar, de usar a lógica para discorrer das causas para os efeitos, extraindo deles suas consequências e comunicando-se com outras inteligências. Ora, se o intelecto humano, que é inferior, tem estas capacidades, o intelecto angélico, superior, não pode deixar de tê-las também.

O terceiro argumento cita São Isidoro, que, em uma de suas obras, afirma que “os demônios conhecem muitas coisas por meio da experiência”. Ora, o conhecimento experimental é discursivo, porque envolve a experimentação, a memória e o raciocínio para chegar a suas conclusões. Se os anjos (ainda que caídos) são capazes de aprender por experiência, então são capazes de raciocinar e discorrer. E disso o argumento conclui que o conhecimento angélico é discursivo como o nosso.

Como argumento contrário, o artigo coleciona uma citação do Pseudo-Dionísio, que expressamente diz que os anjos não adquirem conhecimento divino por meio de raciocínios e discursos sucessivos, nem procedem do conhecimento comum para chegar a conclusões particulares. Em suma, este argumento diz que raciocinar não é próprio da inteligência dos anjos.

Em sua resposta sintetizadora, São Tomás vai usar de uma analogia com a astrofísica que era corrente no seu tempo. Sim, sua comparação é. De fato, anacrônica para nós.

No tempo de Tomás, a ciência considerava que os corpos celestes não tinham a mesma natureza dos corpos terrestres, ou sublunares. Para a ciência de então, a Terra (e tudo o que ela encerra) está marcada pela existência potencial, ou seja, todas as coisas sublunares são aperfeiçoáveis, são imperfeitas e encaminham-se para a perfeição. Mas os corpos celestes seriam totalmente atuais, ou seja, já perfeitos e com todas as suas potencialidades desenvolvidas. Hoje sabemos que não é assim; o universo é formado de maneira uniforme, e tanto aquilo que está na Terra quanto tudo o que está pelo universo afora é composto pelos mesmos princípios, vale dizer, matéria e forma, ato e potência.

Assim, aquela analogia que Tomás faz entre as coisas sublunares, por um lado, como análogas à inteligência humana (basicamente aperfeiçoáveis, potenciais, necessitadas de desenvolvimento) e as coisas supralunares e a inteligência angélica (perfeitas, desenvolvidas, providas de sua perfeição em grau máximo) não vale mais. Não vale a analogia, é certo; mas os dados do problema continuam válidos.

De fato, uma inteligência essencialmente imaterial tem que funcionar de um modo completamente diferente daquele pelo qual as inteligências materiais funcionam. É o que veremos no próximo texto.