Pensar em tudo simultaneamente é uma característica divina. A criaturalidade pressupõe sempre o limite mental. Talvez, curiosamente, hoje, passados oitocentos anos desde que Tomás escreveu a Suma, nosso jeito de pensar é o mais fragmentado possível. Como fica claro da resposta de Tomás, não é possível nem adequado pensar em mais de uma coisa ao mesmo tempo; ou seja, uma mente fragmentada não intelige nada. E esta é a realidade dos estímulos que recebemos hoje: imaginamos que somos capazes de inteligir tudo ao mesmo tempo e nos submetemos a múltiplos estímulos e atividades ao mesmo tempo. Como resultado, somos incapazes, muitas vezes, de um verdadeiro ato de inteligência.

É neste sentido que Tomás vai começar sua resposta sintetizadora; vai nos ensinar que a marca da unidade de um ato está na unidade do seu fim. Todo processo de transformação tem uma unidade, ou seja, é inteligível como um único e mesmo processo pelo fato de dirigir-se a um único e mesmo fim. Assim também é o nosso ato de inteligir: dirige-se a inteligir uma coisa só de cada vez, ou perde, ele mesmo, sua identidade, sua inteligibilidade.

Há, assim, uma unidade no ato de inteligir, exatamente porque se dirige a inteligir uma e apenas uma coisa de cada vez. A dispersão, o movimento que dispersa a inteligência, que a impede de ter foco, também a aniquila.

A questão que se levanta, em seguida, é como inteligir algo que, em si mesmo, é composto. Um processo, um coletivo, uma composição, enfim, muitas vezes a inteligência se depara com a necessidade de inteligir algo que tem elementos, partes, multiplicidade. O que ocorre, então?

Se a inteligência considera as partes por si mesmas, não as pode inteligir com apenas uma operação. Precisa de uma operação de inteligência para cada elemento, para cada parte. Mas se as considera coletivamente, em razão daquilo que as unifica, então é capaz de inteligir o todo por um só e mesmo ato. É fácil perceber isto quando consideramos, por exemplo, uma casa. Num só e mesmo ato, inteligimos a casa. Mas se passamos a considerar suas portas, suas paredes, seus móveis, seu telhado, a inteligência precisa de um ato de intelecção para cada elemento destes, tomado em separado.

O exemplo que Tomás traz aqui é o de uma oração com sujeito e predicado: se compreendemos a oração inteira, inteligimos a oração por um único movimento de inteligência. Mas ao mesmo tempo compreendemos que há, ali, dois elementos unificados pelo sentido da frase, ou seja, o sujeito e o predicado; para inteligir estes elementos separadamente, em si mesmos, já não basta uma única operação da inteligência. Mas quando eles estão unificados pelo sentido da frase, embora percebamos que há vários elementos, a oração pode ser inteligida por um único movimento de inteligência.

A questão, diz Tomás, é que a nossa inteligência assimila a identidade daquilo que intelige, ou seja, conforma-se com a sua inteligibilidade, assimilando a species que permite conhecer. Quando tem em si a species, ou seja, a mesma forma daquilo que intelige, ela intelige por um só ato. Assim, a forma de casa permite inteligir toda a complexidade daquilo, mas por um único e mesmo ato, sob a species de casa. Esta species unifica na inteligência aquilo que está sendo inteligido.

Tendo nos ensinado a respeito da intelecção, Tomás passa a tratar especificamente dos anjos. Ele diz que os anjos bem-aventurados veem tudo a partir da visão divina, ou seja, a partir do Verbo de Deus. Assim, de modo análogo àquele pelo qual a species de casa unifica a inteligibilidade de todos os elementos que formam uma casa, a species de Verbo unifica em si todas as coisas. Assim, no Verbo, os anjos são capazes de inteligir tudo num só e mesmo ato.

Assim será também conosco, quando estivermos na bem-aventurança do Reino. Não teremos mais uma mente inquieta, que divaga, mas repousaremos nossa inteligência no verbo, e por ele veremos todas as coisas numa só visão intelectual, como nos ensina Santo Agostinho.

Mas a intelecção natural dos anjos não é assim. Como a nossa, eles precisam de um princípio unificador, uma species que dê sentido às coisas compostas, para conseguirem inteligir com um único ato. Se não houver uma species assim, eles precisarão de múltiplos atos de intelecção para compreender coisas múltiplas. Ou seja, fora do princípio unificador, nem mesmo os anjos podem pensar em mais de uma coisa por vez.

Agora Tomás vai examinar, de posse destes princípios, as objeções iniciais.

A primeira objeção cita Aristóteles, que aformou que podemos saber de muitas coisas, mas só conseguimos pensar em uma de cada vez.

Sim, isto é verdade, diz Tomás. Mas inteligir muitas coisas sob uma mesma razão, ou seja, sob uma mesma species unificadora é, neste caso, equivalente a inteligir simultaneamente muitas coisas, embora pensando numa só.

O segundo argumento faz uma analogia entre a matéria e o intelecto. Do mesmo modo que a matéria brita pode tomar a forma de alguma coisa, mas sempre de uma coisa só (como a argila não pode ser, simultaneamente, um boneco e um copo), assim também o intelecto pode ocupar-se de uma forma só de cada vez. E disto o argumento conclui que não se pode inteligir muitas coisas pelo mesmo ato.

Sim, diz Tomás, o intelecto adota a forma daquilo que ocupa o seu pensamento num dado momento, e é apenas uma coisa. Mas nada impede que esta coisa assemelhe-se a diversas coisas compreendidas sob a mesma species, como um pedacinho de argila pode ser moldado, digamos, sob a forma de um bonequinho que se assemelhe a muitas pessoas em geral.

Por fim, o terceiro argumento diz que o movimento de inteligir especifica-se pelo seu fim, ou seja, deve ter apenas um fim, para fazer sentido, e por isto não se pode inteligir muitas coisas ao mesmo tempo.

Tomás vai simplesmente nos dizer que a resposta, aqui, é a mesma que ele deu para a primeira objeção. Simples assim.

Temos muito a aprender com Tomás, nós do século XXI, sobre como pensar melhor.