Na questão anterior, estudamos o modo pelo qual os anjos conhecem as coisas materiais, ou seja, seu conhecimento sobre a realidade criada. Agora, na questão 58, estudaremos o modo pelo qual a inteligência do anjo funciona. No caso dos seres humanos, nossa inteligência, como sabemos, nasce como uma folha em branco, uma tabula rasa, que vai sendo escrita ao longo da vida, ao assimilar as species das coisas que aprende. Nossa inteligência, portanto, é toda potencial, e a vida vai nos acumulando o conhecimento que a leva à perfeição, ao ato. Será que também é assim com os anjos? Será que a inteligência deles está, como a nossa, em potência para o conhecimento, e vai sendo atualizada progressivamente?

Sabemos, pelos debates na questão passada, que os anjos recebem de Deus o conhecimento que existe em sua inteligência. Mas isto significa que não há mais capacidade de desenvolvimento em sua inteligência? Existe ainda algum potencial para que ela se desenvolva?

É esta a hipótese controvertida, para provocar o debate. A inteligência dos anjos não está completamente em ato para as coisas naturais; ela está às vezes em potência, diz a hipótese. Ou seja, o anjo ainda pode aprender, ou ao menos não sabe tudo ao mesmo tempo, ou ao menos não sabe tudo sobre todas as coisas.

O primeiro argumento define “movimento”. Como sabemos, a noção de “movimento” para a filosofia clássica não era, como para nós, o deslocamento espacial simplesmente. Qualquer coisa que caminhasse da mera potencialidade para a sua perfeição, para a sua atualidade, ou seja, que passasse da potência ao ato, entrava no conceito de “movimento”. Assim, por exemplo, um aluno que aprendesse movia-se da ignorância à ciência. Ora, prossegue o argumento, os anjos movem-se, quando inteligem, diz o Pseudo-Dionísio. Assim, o argumento conclui que a inteligência dos anjos às vezes está em potência.

O segundo argumento é bíblico. Ele começa dizendo que a gente só pode desejar aquilo que não tem, mas poderia ter. Logo, quem deseja conhecer alguma coisa ainda não a conhece, mas poderia conhecê-la; logo, sua inteligência está em potência com relação a ela. Neste ponto, o argumento diz que a Bíblia testemunha o fato de que há conhecimentos que os anjos desejam, quando a Primeira Carta de Pedro, 1, 12, nos diz que há conhecimentos que mesmo os anjos gostariam de ter. Ora, se gostariam de ter, então não os têm, mas poderiam vir a tê-los. Assim, o argumento conclui que a inteligência dos anjos têm potências a serem atualizadas.

O terceiro argumento cita o “Livro das Causas”. Neste livro, ao falar da questão do conhecimento, o autor faz uma afirmação que se tornou um lugar-comum da escolástica: a inteligência intelige ao modo de sua substância. Isto significa que um ser sensível, como os animais, conhecem apenas sensivelmente, nos limites de sua constituição material; os seres inteligentes e materiais, como nós, inteligem imaterialmente, mas sempre com o instrumental material da sensibilidade, da memória e da imaginação, a que têm que recorrer sempre que querem acessar os seus conhecimentos. Deus intelige perfeitamente, como causa de tudo o que existe, uma vez que ele é puro ato. Mas, prossegue o argumento, os anjos têm em si uma mescla de ato e potência, já que não existem por si mesmos, mas sua essência, por si mesma, está apenas em potência para a existência. Por isto, se cada ente intelige com conformidade com sua substância, conclui o argumento, seria necessário concluir que a inteligência dos anjos também mescla ato e potência. E conclui que ela está, às vezes, em potência para o conhecimento.

Por fim, o argumento sed contra cita Santo Agostinho. Este santo, tratando dos anjos no seu comentário ao Livro do Gênesis, diz que eles, desde que foram criados, gozam da eternidade mesma do verbo, por uma contemplação santa e piedosa. Ora, contemplar é uma atividade que coloca o intelecto em ação, e contemplar a eternidade do Verbo envolve o intelecto em sua inteireza. Assim, não haveria, diz o argumento, potência na inteligência angélica, mas ato pleno.

Veremos a resposta sintetizadora de Tomás no próximo texto.